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Fonte: Instituto Akatu
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Segundo pesquisa liderada e divulgada recentemente pelo professor Richard Thompson da Universidade de Plymouth, na Inglaterra, partículas plásticas conhecidas como “lágrimas de sereia” podem contribuir para a poluição dos oceanos de todo o mundo. As lágrimas de sereia são resíduos plásticos (não biodegradáveis) resultados dos excedentes de lixo industrial (redes de pesca) e doméstico (sacolinhas plásticas e garrafas de bebidas), demonstrando que o problema é causado pela forma como cada indivíduo adquire, usa e descarta produtos que contenham plástico. Ao longo do tempo esses resíduos sofrem apenas uma redução de suas dimensões físicas, mantendo todas as propriedades originais. Diferentemente do constatado em 2004, quando os resíduos foram encontrados nas praias britânicas em pesquisa semelhante, dessa vez o estudo apontou a presença do material em todos os continentes. O relatório estima a presença de 300 mil partículas por quilômetro quadrado da superfície marinha e de 100 mil na mesma área do leito oceânico. Além disso, os resíduos podem ter diâmetros menores do que os de um fio de cabelo, o que potencializa a possível entrada desses elementos na cadeia alimentar, segundo a pesquisa. Os cientistas realizaram experimentos com espécies de crustáceos e anelídeos e constataram que todos os organismos ingerem partículas de plástico no processo alimentar. Como esses animais são o alimento de outros ao longo da cadeia alimentar, os resíduos tóxicos podem ser transferidos de animal para animal, e podem contaminar até o homem, no final da cadeia. Ao mesmo tempo em que aparece como provável vítima no final da cadeia alimentar, o homem está também no início da fila, já que a exploração do petróleo para a fabricação do plástico é atividade humana. O Akatu lembra que a solução do problema passa pelo consumo consciente, que considera importante planejar as compras, para consumir apenas o necessário, reduzindo a geração de lixo, e mantendo, ainda, a preocupação com o destino final dos resíduos. Por exemplo, o consumidor consciente pode ajudar a reduzir o consumo das sacolinhas de plástico levando sua própria sacola (que não seja descartável) ao fazer as compras. Caso não seja possível levar uma sacola de casa, o consumidor pode aproveitar ao máximo a capacidade de cada saquinho para reduzir a quantidade que será levada para casa e, posteriormente, jogada no lixo. Por fim, quando não houver mais possibilidade de utilização, o consumidor consciente pode separar o material plástico para reciclagem. Atitudes como estas só dependem de cada um, mas geram impactos na sociedade e no meio ambiente. Aterro no oceano Em artigo publicado em 2002, o capitão Charles Moore, da AMRF, uma fundação de pesquisa marinha, afirma que o maior aterro de lixo do mundo, com mais de 16 milhões de quilômetros quadrados, é localizado no centro do Pacífico. Segundo Moore, a explicação para o fenômeno está nas características climáticas da região, onde correntes de ar espiraladas vindas do equador geram uma ligeira força centrífuga no local. Essa corrente marinha mantém uma estabilidade de movimento capaz de atrair e acumular quaisquer objetos que flutuem nos limites do círculo norte do oceano Pacífico. A princípio, esse fenômeno não representa nenhum risco ambiental em razão da ação de microorganismos na decomposição do “entulho”. No entanto, atualmente, a produção de materiais cada vez mais resistentes transformou a região num lixão formado principalmente por produtos plásticos, que acabam sendo ingeridos por animais ou aprisionando-os. Além disso, esses detritos também carregam poluentes e venenos usados em sua fabricação, como DDT, PCBs e nonofenóis, substâncias que ao entrarem em contato com os receptores hormonais de organismos vivos causam distúrbios nas atividades cerebral e reprodutora, fatores que em grande escala podem resultar na extinção de determinadas espécies. Para ler o artigo do capitão Charles Moore na íntegra (em inglês), clique aqui. |
Fontes das fotos: The Independent, Greenpeace e Mindfully.
de lixo do mundo, com cerca de 1000 km de extensão, vai da costa da Califórnia, atravessa o Havaí e chega
a meio caminho do Japão e atinge uma profundidade de mais ou menos 10 metros . Acredita-se que haja neste vórtex de lixo cerca de 100 milhões de toneladas de plásticos de todos os tipos.
Pedaços de redes, garrafas, tampas, bolas , bonecas, patos de borracha, tênis, isqueiros, sacolas plásticas, caiaques, malas e todo exemplar possível de ser feito com plástico. Segundo seus descobridores, a mancha de lixo, ou sopa plástica tem quase duas vezes o tamanho dos Estados Unidos.
viva, um grande animal se movimentando livremente pelo pacifico. E quando passa perto do continente, você tem praias cobertas de lixo plástico de ponta a ponta.
Pesquisadores alertam para o fato de que toda peça plástica que foi manufaturada desde que descobrimos este material, e que não foram recicladas, ainda estão em algum lugar. E ainda há o problema das partículas decompostas deste plástico. Segundo dados de Curtis Ebbesmeyer, em algumas áreas do oceano pacifico podem se encontrar uma concentração de polímeros de até seis vezes mais do que o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha.
venenos, que podem ser introduzidos, através da pesca, na cadeia alimentar humana, fechando-se o ciclo, na mais pura verdade de que o que fazemos à terra retorna à nós, seres humanos.
por Frederico Brandini*
Talvez o maior desafio da medicina nesse século seja o controle da Aids. E é bem provável que a sua cura seja descoberta em um futuro próximo. Só que a vida marinha muito provavelmente não terá a mesma sorte de ser curada de um mal que contamina os ecossistemas marinhos de forma análoga. Trata-se de um “vírus industrial” cuja sigla circula pelas guias de exportação e importação do setor petroquímico. São os nibs, umas bolotinhas brancas com tamanhos que variam entre 1 e 5 mm transportadas por pelo menos 20% da frota mundial de navios mercantes.
Nibs já são encontrados em áreas remotas dos oceanos, disfarçados entre os grãos de areia das praias do mundo inteiro. Em linguagem técnica, os nibs são o resultado da peletização industrial de resinas sintéticas oriundas da polimerização de hidrocarbonetos derivados de petróleo e gás. O objetivo dessa fragmentação em mini-pelotas é facilitar a armazenagem, transporte e o processamento da matéria-prima do plástico, a melhor ou talvez a pior invenção industrial do século XX, depende do ponto de vista. Se por um lado esse comoditie diminui a pressão sobre matérias-primas naturais, principalmente as árvores, por outro contamina o ambiente com resíduos sólidos de um modo nunca visto. Podemos ver sacos e pedaços de plásticos por toda parte, de vários tamanhos. Nesse caso o problema é mais estético. E os pedaços que vemos podem ser evitados com programas de educação ambiental e de reciclagem. Mas e os que não vemos? Nem sequer sabemos que existem. Há um processo de contaminação crônica e cumulativa de microlixo plástico nos oceanos que começa a preocupar governos, ongs, órgãos ambientais, cientistas e ambientalistas do mundo todo.
Tudo começou quando um infeliz qualquer, possivelmente engenheiro da tecnologia petroquímica, imaginou um modo prático de transferir matéria-prima para a fabricação de plástico inspirado no modelo agroindustrial de transporte de grãos de soja. Pra variar pensou apenas em uma parte do processo. Imaginem aquelas montanhas de soja estocadas nos silos e armazéns. Dunas orgânicas. Agora imaginem dunas sintéticas de nibs em armazéns da indústria petroquímica. São igualmente transferidos para caminhões ou e vagões de trem através de esteiras rolantes a céu aberto. O transporte terrestre leva invariavelmente até o porto mais próximo, onde são novamente transferidos por esteiras rolantes para sacos de papelão enormes e containeres que são acondicionados no porão dos navios. Daí são transportados para o outro lado do oceano e descarregados.
Durante o transporte e transferência de cargas, a perda é inevitável. Ventos fortes e enxurradas de água de chuva roubam parte da carga que vaza das esteiras rolantes ou dos sacos de papelão e, na maioria das vezes, acaba no mar. E daí, um abraço. Só Deus e os oceanógrafos físicos sabem pra onde vai. As correntes de maré e circulação oceânica se encarregam de transportar e dispersar os pequeninos e terríveis nibs, num processo lento e contínuo, que os leva para todas as praias do mundo e as áreas mais remotas dos oceanos do planeta, como o Ártico, Antártico, Mar dos Sargassos e giros subtropicais do Pacífico. Já em 1980 foram detectados densidades de mil e quatro mil nibs por km2 nas regiões temperadas dos Oceanos Atlântico e Pacífico (Vooren & Fernandes 1995)
Os Estados Unidos são campeões da produção de plástico peletizado. São cerca de 27 milhões de toneladas ou 1 quadrilhão dessas pelotas produzidas anualmente e transportadas entre os pólos petroquímicos americanos e os portos exportadores – que os levam aos portos importadores – que os distribuem para outros centros industriais europeus e asiáticos. No início da década de 90, os congressistas americanos, pressionados pela opinião pública, além de cientistas e ambientalistas exigiram a formação de uma força tarefa governamental, liderada pela NOOA e pela Agência de Proteção Ambiental americana (EPA, 1992). Tornou-se urgente um diagnóstico da contaminação dos nibs na zona costeira americana e no mundo. O relatório da EPA revelou que os nibs já eram parte inseparável do lixo em suspensão e do sedimento de fundo e da areia da praia de todos os oceanos, sem exceção. Revelou também que a contaminação se dá ao longo do processo industrial de peletização, armazenagem, transporte e processamento do material.
Agora, vamos supor que haja uma perda mínima, irrisória de 0,001% dessa matéria durante o transporte terrestre e marítimo. Mesmo sendo essa perda infinitamente menor do que a média entre 0,1 e 0,25% diagnosticada no relatório da agência americana, isso ainda representa 10 bilhões de nibs que podem chegar à zona costeira pelas linhas de drenagem urbanas e industriais todos os anos. Mesmo que minhas estimativas sejam exageradas, e que o número seja muito menor, os nibs duram de 1 a mais de 10 anos no mar, dependendo das condições ambientais que aceleram ou retardam a degeneração do produto, bem como da natureza do polímero e dos aditivos adicionados para aumentar a resistência a UV’s, temperatura ou alterar a densidade. Com isso, ocorre a bioacumulação das pelotas virulentas na teia alimentar. E é aí que vem o pior.
O impacto sobre os animais marinhos
A maioria dos nibs são esféricos, ovais ou cilíndricos, e a cor é normalmente branca ou transparente. Portanto, são quase que imperceptíveis ao olho humano. Mas são detectados pelos olhos de animais famintos que os confundem com comida em suspensão ou na beira da praia. A contaminação da teia alimentar por nibs está crescendo de modo crônico e cumulativo. Como um pesticida sólido. Partículas estranhas e atraentes que invadem o estômago das criaturas marinhas que, como criançinhas inocentes, aceitam balinha de uma natureza estranha. Mais uma praga industrial que contamina nossos animais.
Aves e tartarugas marinhas são os mais ameaçados, tendo em vista a freqüência com que nibs são encontrados no trato digestivo desses animais (Rayan, 1990). Pesquisas indicam que pelo menos 80 espécies (=25%) de aves marinhas ingerem nibs ativamente ou passivamente através da teia alimentar. Dentre as aves, principalmente o grupo da ordem Procelariformes, que inclui os albatrozes e petréis. Essas aves têm o hábito de se alimentar apenas na superfície do mar, com mergulhos curtos ou simplesmente ciscando ovos de peixes, lulas e pequenos animais planctônicos. Estudos indicam que os nibs podem permanecer no trato digestivo das aves entre 10 a 15 meses, ocupando espaço, diminuindo a eficiência alimentar e a absorção de nutrientes, causando enfraquecimento e morte dos animais (Day et al., 1985; Ryan & Jacksson, 1987). Produtos químicos que são adicionados aos nibs para alterar suas características físicas e químicas, ou contaminantes absorvidos pelos nibs durante sua permanência em suspensão na água, têm efeito fisiológico tóxico nos animais, prejudicando processos de migração e reprodução.
O microlixo contamina animais e praias do Brasil
O microlixo plástico tende a ser leve e geralmente flutua na superfície do mar, agregando-se ao longo de zonas de convergência de massas de água, onde o detrito orgânico e lixo industrial se acumulam. Essas regiões são locais de alimentação de tartarugas marinhas. O lixo plástico serve de substrato de fixação para vários invertebrados marinhos, enriquecendo-os com matéria orgânica e dando uma aparência mais “apetitosa” ao plástico.
Mamíferos e tubarões também são vítimas do lixo plástico. Márcia Oliveira, do Laboratório de Mamíferos do Centro de estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná, estuda a população do boto Sotália fluviatilis da Baía de Paranaguá. Frequentemente encontra tampas de caneta, linhas de nylon e pequenos resíduos plásticos no conteúdo estomacal de animais mortos acidentalmente.
Apesar do tamanho, os nibs também são colonizados por bactérias e invertebrados bênticos, iludindo albatrozes e petréis, sobretudo em períodos de escassez de alimento quando o hábito alimentar torna-se menos seletivo. Além disso, a ingestão de nibs diminui a sensação de fome das aves, que se alimentam menos. A presença dos nibs no estômago de aves da região Sul do Brasil tem sido comprovada por Ricardo Krul, especialista em aves marinhas também do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná. O resultado de seus trabalhos e dos seus colaboradores é preocupante. A densidade de nibs encontrados nas praias de Pontal do Paraná (PR) chega a milhares por metro quadrado.
Os nibs são a pior causa do microlixo sólido e podem causar danos irreversíveis nas comunidades biológicas marinhas se a contaminação continuar indefinidamente. A única solução é a gestão mais adequada e o controle rigoroso da atividade de transporte e armazenagem por parte da indústria petroquímica, evitando perdas e prejuízos para a indústria e, sobretudo, para o oceano global.
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Referências
Environmental Protection Agency, 1992. Report. Plastic Pellets in the Aquatic Environment: Sources and Recommendations. United States Environmental Protection Agency Office of Water (WH-556F) EPA 842/B-92/010 Dec92
Day, R.H., D.H.S. Wehle, and F.C. Coleman. 1985. Ingestion of plastic pollutants by marine birds. Pp. 344-386 in Shomura, R.S, and H.O. Yoshida (Eds.), Proceedings of the Workshop on the Fate and Impact of Marine Debris, November 27-29, 1984, Honolulu, Hawaii. NOAA Tech. Mem. NOAA-TM-NMFS-SWFC-54. Department of Commerce, National Oceanic and Atmospheric Administration, National Marine Fisheries Service, Washington, DC.
Ryan, P.G. 1990. The effects of ingested plastic and other marine debris on seabirds. Pp. 623-634 in Shomura, R.S., and M.L. Godfrey (Eds.), Proceedings of the Second International Conference on Marine Debris, 2-7 April 1989, Honolulu, Hawaii. NOAA Tech. Mem. NMFS, NOAA-TM-NMFS-SWFSC-154. Department of Commerce, National Oceanic and Atmospheric Administration, National Marine Fisheries Service, Washington, DC.
Ryan, P.G. and S. Jackson. 1987. The lifespan of ingested plastic particles in seabirds and their effect on digestive efficiency. Mar. Pollut. Bull. 18(5):217-219.
Vooren C.M. & Fernandes A.C. 1994. Guia de albatrozes e petréis do sul do Brasil, Capítulo “Os Procellariiformes e o Homem, p.33-38.
Fonte: O Eco.
* Frederico Brandini: Oceanógrafo, é Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná. Foi pesquisador do Programa Antártico Brasileiro e diretor do Centro de Estudos do Mar da UFPR em Pontal do Paraná.